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Quando o novo normal não é nada novo: as preocupações sobre corrupção relacionadas à turbulência política no Brasil

August 20, 2020

Por Jay Darden, Corinne Lammers, Bryan Parr, Diogo Metz, Gabriela Menna Barreto Scanlon e João Victor Freitas Ferreira

Desde que a Operação Lava Jato revelou uma intrincada teia de pagamento de propinas e lavagem de dinheiro que ultrapassava as fronteiras do Brasil, o país avançou em sua jornada para aperfeiçoar não apenas suas leis e cultura anticorrupção, mas, de forma geral, sua cultura política e empresarial. Por anos, diversos eventos relacionados à corrupção ocuparam o noticiário, variando de resoluções históricas de casos de corrupção internacional, cooperação com autoridades estrangeiras, condenações de empresários e políticos proeminentes, até a conclusão bem-sucedida das primeiras monitorias. No entanto, essa jornada não foi tranquila e está longe de estar completa.

O noticiário, contudo, mudou. Algumas destas investigações e resoluções tornaram-se recentemente objeto de reexame, sob suspeita de possíveis condutas indevidas por parte de procuradores e juízes, bem como violações do dever de imparcialidade e dos direitos dos réus. Além disso, em meio aos enormes desafios da pandemia da COVID-19, o Brasil foi, ainda, atingido por inúmeras crises políticas. Tais fatos envolvem os governos locais e federal e referem-se não apenas à instabilidade do sistema político e da persecução de ilícitos, como também aos desafios de governança trazidos pela pandemia. Todas essas questões têm implicações potencialmente significativas nos esforços que o país vem fazendo no combate à corrupção e em seu aperfeiçoamento institucional.

Estar a par da saga política e jurídica não é factível para muitos executivos, advogados e profissionais que atuam em compliance – especialmente para aqueles que não falam português ou que residem fora do Brasil. Abaixo, providenciamos um resumo dos principais aspectos relacionados aos acontecimentos recentes que podem impactar perfis de risco ou desencadear a necessidade de aprimorar programas de compliance para empresas com sede ou operações no Brasil, em especial àquilo que não foi destacado até o momento pela mídia internacional. Para aqueles que trabalham em empresas multinacionais, é provável que seus pares ou líderes fora do Brasil não tenham conhecimento desses eventos, nem tenham percebido o impacto nos riscos e interesses para a empresa no Brasil.

  • Investigações sobre a família do Presidente Bolsonaro. Semanas após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, veio à tona um suposto esquema de corrupção envolvendo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em um possível esquema de peculato, popularmente conhecido como “rachadinha”, quando ainda servia como deputado estadual no Rio de Janeiro. Em junho de 2020, a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro levou à prisão, de um dos principais ex-assessores de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz. Os investigadores suspeitam que Fabrício Queiroz seja a peça-chave de um esquema de corrupção que arrecadou uma parte dos salários dos servidores do gabinete para uso pessoal do Senador, tendo também identificado ligações entre alguns funcionários do gabinete com as milícias e crime organizado no Rio de Janeiro.

  • Possível interferência em investigações federais. No final de abril, o então Ministro da Justiça Sergio Moro renunciou o seu cargo e acusou o presidente Bolsonaro de tentar obter acesso a informações confidenciais e interferir na Polícia Federal, que tem entre suas atribuições investigar crimes de corrupção e crime organizado, ao buscar substituir o chefe da corporação por um aliado político próximo. As declarações do ex-ministro desencadearam uma investigação pelo Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal, que tem como investigados o próprio Sérgio Moro e o Presidente Bolsonaro.

  • Conflitos no Ministério Público. Membros da Força-Tarefa federal da operação Lava Jato em Curitiba acusaram uma sub-procuradora, ligada ao Procurador-Geral da República, de tentar obter indevidamente informações confidenciais de investigações em andamento, por ordem do PGR. O episódio representou uma escalada das tensões internas no Ministério Público, cujos membros gozam de proteções constitucionais expressas, incluindo a independência funcional de seus membros. O Supremo Tribunal Federal posteriormente emitiu uma liminar ordenando que a Força-Tarefa entregasse todos os seus materiais de investigação à Procuradoria-Geral da República, como parte dos esforços do Procurador-Geral para criar uma unidade centralizada a fim de coordenar as várias forças-tarefa contra corrupção em diferentes estados. Esta iniciativa é um tanto polêmica, e têm-se levantado preocupações de que os promotores perderão a autonomia necessária para conduzir seus casos.

  • Investigações no contexto da COVID-19. Vários governos estaduais estão sob investigação pela Polícia Federal em relação a projetos decorrentes de compras emergenciais de suprimentos médicos e construção ou expansão de unidades hospitalares após o surto de COVID-19. A Polícia Federal cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão contra servidores de alto escalão em vários locais, incluindo três governadores entre os investigados - Wilson Witzel do Rio de Janeiro, Helder Barbalho do Pará e Wilson Lima do Amazonas. No Rio de Janeiro e no Amazonas, os atuais governadores também enfrentam processos de impeachment que têm como base os fatos identificados na investigação da Polícia Federal. Os casos supostamente dizem respeito a vários esquemas parecidos: aquisição de itens superfaturados sem licitação, envolvimento de intermediários locais com nenhuma ou limitada experiência na área e contratação de escritórios de advocacia ou empresas de consultoria para canalizar pagamentos indevidos.

  • Nova cooperação técnica para acordos de leniência. No início de agosto de 2020, várias autoridades concordaram com uma nova estrutura para a negociação de acordos de leniência com relação a processos de anticorrupção, porém, ausente destas tratativas estava o Ministério Público Federal (“MPF”). De acordo com a nova estrutura, o MPF e a Polícia Federal continuam responsáveis pela apuração de improbidade, em conjunto com o Tribunal de Contas da União (“TCU”), mas precisam informar a Controladoria-Geral da União (“CGU”) e a Procuradoria-Geral da República (“AGU”) de qualquer conduta imprópria corporativa descoberta. Esse novo arcabouço jurídico transferiria a responsabilidade de negociar acordos de leniência empresarial para a CGU e a AGU, órgãos diretamente vinculados ao poder executivo, ao contrário do MPF, que possui independência e autonomia funcional com base na constituição. Muitos promotores veem a nova estrutura como inconstitucional e temem que ela prejudique os esforços do Brasil no combate à corrupção. Segundo presidente do Supremo Tribunal Federal o acordo de cooperação não cria nem retira competências de nenhuma das instituições envolvidas na Lei Anticorrupção de 2013.

Em conjunto, esses acontecimentos – somados à pandemia da COVID-19 e outras questões relacionadas à corrupção não abordadas aqui – podem contribuir para a instabilidade do sistema político e judicial no Brasil, afetando em última instância o foco e o caminho dos esforços locais de combate à corrupção. As empresas com atividades no Brasil ou que planejam se engajar neste mercado devem considerar o seguinte à luz desses eventos e do cenário político e social no Brasil:

  • A percepção de limitações ou interferências em investigações locais complicam ainda mais as investigações em múltiplas jurisdições. Na medida em que acontecimentos recentes levam a uma sensação de que há limitações ou interferência na atividade das autoridades locais ao investigar crimes do colarinho branco, uma nova camada de preocupações é adicionada em relação à capacidade e disposição do Brasil no combate à corrupção, colocando em cheque sua força e reputação internacionais. E tais preocupações podem ter vários efeitos colaterais. Por exemplo, a redução da atividade de fiscalização local pode levar autoridades estrangeiras a assumir um papel mais ativo em investigações envolvendo múltiplas jurisdições ou permitir menos deferência aos esforços de uma autoridade brasileira em particular, se estes forem considerados ineficazes ou dificultados. Essa dinâmica criaria complicações adicionais para empresas que lidam com agências investigativas em múltiplas jurisdições, no Brasil ou no exterior, variando desde a necessidade de equilibrar demandas conflitantes durante a investigação até a obtenção de menos crédito para a parte brasileira em acordos envolvendo múltiplas jurisdições.

  • Sinais confusos das autoridades exigem uma cultura de compliance mais forte. Sinais confusos em relação à aplicação - ou a percepção de que a aplicação da lei pode, de alguma forma, ser limitada ou reduzida em relação aos níveis do passado recente – podem levar a mudanças na tolerância das empresas com relação à corrupção ou aos riscos em “área cinzentas” e/ou a mudanças na mentalidade dos executivos ou dos funcionários quanto ao compliance. É possível argumentar que as conquistas dos últimos seis anos de aprimoramento na agenda anticorrupção no Brasil levaram a uma mudança e a uma melhoria na cultura empresarial local. A percepção de que as investigações de corrupção são menos sérias hoje ou tem maior probabilidade de uso político pode prejudicar ou enfraquecer essa mudança cultural, afetando a percepção dos funcionários sobre o risco de detecção e medo de punições severas. Ao avaliar se o tom e o compromisso com o comportamento ético e de compliance são adequados, empresas com operações no Brasil saem na frente ao considerar os impactos de possíveis mudanças no cenário local das investigações e como essas mudanças são percebidas pelo público. Reforçar padrões de compliance rígidos, tolerância zero para corrupção e expectativas inabaláveis de comportamento ético tornaram-se ainda mais importantes, especialmente quando crises econômicas, de saúde e políticas podem criar incentivos significantes para condutas ilícitas.

  • Atenção extra a parceiros locais. Recentes acontecimentos envolvendo possíveis irregularidades em compras públicas durante a pandemia servem como um lembrete de que a contratação de terceiros no Brasil continua sendo de alto risco, apesar das melhorias trazidas pelos recentes esforços anticorrupção. A necessidade de escolher parceiros de negócios locais com cuidado e examiná-los por meio de processos de due diligence adequados e monitoramento de suas atividades segue como prioridade durante tempos de crise e conflitos entre autoridades. No contexto de contratações emergenciais, em particular, é crucial garantir que procedimentos estejam adequados para poder avaliar os elevados riscos que delas decorrem.

  • Pacotes de resgate e ajuda econômica. O governo federal vem prometendo várias medidas para tentar recuperar a economia do país das consequências do COVID-19. Embora a maioria dessas medidas ainda não tenha se materializado, a adesão a esses benefícios inevitavelmente exigirá interações adicionais e supervisão por funcionários públicos. Ao considerar esses pacotes, as empresas devem ter em consideração os benefícios a serem obtidos em contraste com os possíveis custos relacionados ao compliance, que frequentemente ocasionam mudanças no perfil de risco da empresa e a necessidade de instaurar novas formas de monitorar, controlar e auditar adequadamente seus recursos e sua utilização. Em alguns casos, aderir a esses pacotes pode implicar ou acarretar maior controle por parte do governo brasileiro, seja por participação acionária na empresa ou por meio de outro veículo. Tudo isso pode aumentar mais ainda o ônus do compliance, não apenas para a empresa aderente, devido às mudanças no seu perfil de risco e, possivelmente, na sua governança, mas também para outras empresas que com ela mantenham relações, que terão que (re)avaliar os riscos correspondentes ao relacionamento com essa que passou a ser uma empresa sobre controle ou influência estatal.

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